Santa
Catarina de Gênova era da ilustre família dos Flisci, seculares rivais
dos Adurni. Era muito frequente nas cidades italianas a luta até à morte
de duas famílias para obter a supremacia da cidade. Até em Roma sucedia
o mesmo com a tiara pontifícia no século X, o século obscuro do
pontificado, entre os Túsculos e os Crescêncios. Ainda hoje continuam as
famílias rivais dos mafiosos. Foi famoso o caso de Romeu e Julieta, que
acabou por reconciliar Montescos e Capuletos.
O
mesmo aconteceu no nosso caso. Os Flisci e os Adurni lutavam há séculos
pela supremacia da cidade de Gênova. Cansados de sangue, procuraram a
reconciliação, sacrificando para isso Catarina. Casaram-na aos dezesseis
anos, por conveniência, sem qualquer vocação para o matrimônio.
Foi
uma triste etapa da sua vida. Eram dois temperamentos muito diferentes.
Catarina Flisci era doce, sensível, concentrada, piedosa. O seu marido
era um Adurni duro, violento, mundano, debochado. Não se podiam
entender. Ele queixava-se de que o tinham casado com uma freira; ela de
que a tinham unido a um bruto. Ele sentia-se bem na política, em
aventuras, em malbaratar a fortuna nos jogos. Ela, retirada em casa,
mitigava a sua dor com livros piedosos.
Alguns
avisaram Catarina de que ela era a culpada da situação. Que se
adornasse, saísse com o seu marido e ganhá-lo-ia. Catarina deu-lhes
ouvidos. Vestiu as melhores galas e começou a frequentar os salões da
alta sociedade. Como era bela, graciosa e de bom talento, ganhou a
simpatia de todos. O seu marido estava orgulhoso dela.
Cinco
anos durou esta segunda etapa da sua vida, cinco anos que encherão de
amargura o resto dos seus dias. Porque, no meio de todos aqueles saraus e
veladas, Catanna não era feliz. Quando mais tarde escrever o admirável
Diálogo entre o corpo e a alma, abrir-nos-á os íntimos sentimentos do
seu coração. Compreendia que nada daquilo podia satisfazê-la, que só
Deus podia encher o seu coração. Sentia uma dor imensa de ter ofendido a
Deus. "Não sei como não morri quando vi o mal que encerra o pecado por
mais leve que seja", lamenta-se inconsolável.
Em
1474, realiza-se uma nova e radical mudança na sua vida. É a terceira
etapa. Estava numa igreja, quando recebeu uma súbita iluminação e sentiu
uma repentina transformação, uma chama de amor, que lhe fez conceber um
imenso desprezo da sua vida mundana e cortesã.
E
começou uma vida de penitência, de orações inflamadas, de quaresmas
inteiras passadas sem ingerir alimento a de raptos e visões, de uma vida
de íntima com Deus, mas não dominada já pelo temor, mas pelo amor. "De
todos os livros santos, tinha-lhe dito Jesus, escolhe uma só palavra:
amor". Doravante, o coração de Catarina palpita-lhe tão violentamente
que acabará por lhe romper o peito. O seu corpo torna-se incandescente.
Toda ela é um vulcão que expele chispas de amor. "Mais, mais", clamava
ainda.
Todos
ficam maravilhados daquele sagrado torvelinho. O próprio marido
torna-se um amante cristão fervoroso e cidadão honrado. A vida de
Catarina respira agora mais madureza, serenidade e segurança, confiança e
gozo. Apoiada plenamente em Deus, tudo, até os sofrimentos, fica
assumido e transformado em amor, em gozo e serena esperança.
Até
o purgatório, que ela contemplou em suas visões, será uma mescla
inefável de tormento e amor, que se transforma em gozo e em júbilo, gozo
que em breve se verá sublimado para ela no paraíso. Faleceu no ano de
510.
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